13 maio, 2017

Encarnação involuntária






Estou amando a experiência de mergulhar nestes contos de Clarice, nunca se sabe o que vem pela frente. E assim sou transplantada numa nova realidade e novas reflexões e possibilidades diante da vida.


Para ler Clarice, tem que ter um peito aberto e a capacidade de abraçar o abstrato e o improvável se tratando de nós mesmos.


Clarice mais uma vez nos tece um cenário que bem podemos desdobra-los em algumas vivências pessoais.


No conto, temos uma passageira de avião que nos diz que para conhecer uma pessoa que ela vê pela primeira vez, é necessário uma espécie de encarnação, onde esta experimenta todas as sensações e verdades vindas de sua observação.



Às vezes, quando vejo uma pessoa que nunca vi, e tenho algum tempo para observá-la, eu me encarno nela e assim dou um grande passo para conhecê-la. E essa intrusão numa pessoa, qualquer que seja ela, nunca termina pela sua própria autoacusação: ao nela me encarnar, compreendo-lhe os motivos e perdoo. Preciso é prestar atenção para não me encarnar numa vida perigosa e atraente, e que por isso mesmo eu não queira o retorno a mim mesma



Num de seus voos , ela se vê em volta com uma missionária, uma freira, reluta a encarnação de um tipo de vida moralizante e pálida, cheia de uma bondade plácida e etérea.
Nessas três horas no avião, a nossa personagem não consegue fugir de se tornar aquela missionária por algumas semanas de sua vida.


Em contra ponto, ela nos fala sobre um outro voo, que encontrou uma prostituta perfumadíssima que fumava com os olhos entreabertos e com seu olhar de sereia em seu alvo  já hipnotizado.


Nossa personagem encarna a performance da prostituta, mas esta falhou.



Uma vez, também em viagem, encontrei uma prostituta perfumadíssima que fumava entrefechando os olhos e estes ao mesmo tempo olhavam fixamente um homem que já estava sendo hipnotizado. Passei imediatamente, para melhor compreender, a fumar de olhos entrefechados para o único homem ao alcance de minha visão intencionada. Mas o homem gordo que eu olhara para experimentar e ter a alma da prostituta, o gordo estava mergulhado no New York Times. E meu perfume era discreto demais. Falhou tudo



Este pequeno conto me fez pensar em algumas "encarnações" que ocorrem de maneira natural em nosso dia a dia e com as pessoas que estão muito próximas a nós.


Quando nos tornamos adultos, geralmente não queremos nos parecer com nossos pais. 


Temos uma lista de tudo que nos irritou enquanto crianças e adolescentes. Mas na real, nos pegamos fazendo exatamente as mesmas coisas que dizemos odiar.


Talvez seja a genética, pensamos. Afinal, somos um amalgama de nossos pais. Mas lendo Clarice, estou inclinada a acrescentar o fator "encarnação".


Você vive tanto tempo com aquela pessoa, que acaba por pegar suas manias, hábitos, linguagem.


Parece tudo meio bizarro, mas é assim que a coisa acontece. Somos um mix de DNA e de nosso meio. 


Talvez nunca conseguiremos alcançar o nosso  eu puro ou talvez ele nem exista neste estado, e seja tudo um grande mix, uma vitamina existencial rs. 


Como já disse nosso magrelo barbudo - Raul Seixas - "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante"




Leia as impressões da Silvia sobre este conto - No Reflexões de Silvia






*Este conto pertence ao livro - Felicidade Clandestina





Clarice Lispector - Todos os Contos
       Editora Rocco - Capa Dura - 656 Pgs
        Organizado por Benjamin Moser

                   
                    Marcia Cogitare



2 comentários:

  1. Poxa Maárcia, acho que é meio isso, pegamos detalhes das pessoas e nem percebemos. No fim somos uma grande composição com várias referências. Já tentei essa história de conhecer as pessoas que vejo aleatoriamente (alias costumo fazer isso sempre) mas no geral imagino histórias para suas vidas, o nível da Clarice de tentar me parecer com elas logo de cara é um pouco demais para mim kk. Beijinhos

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