Frio, solidão e medo Em Ritos de adeus, seu romance de estreia, Hannah Kent torna palpável a impotência desesperadora de uma condenada à morte
O ano é 1828. Na gelada e inóspita Islândia, a jovem Agnes Magnúsdóttir é acusada de matar e queimar dois homens. A brutalidade do crime define sua pena: morte por decapitação. Ela aguarda o dia de sua execução sob o teto de uma família local, obrigada a abrigar a criminosa pelo comissário da região. Agnes vive seus últimos dias à espera, tendo como companhia o frio, o silêncio e o medo – o próprio e o dos outros.
A família, horrorizada com a ideia de conviver com uma assassina, trata Agnes com repúdio e indiferença. O que conserva sua humanidade é o trabalho que é obrigada a realizar na fazenda, que cumpre com extrema habilidade, e as visitas do jovem e inexperiente reverendo Tóti, seu conselheiro espiritual.
É para Tóti – com quem tem uma misteriosa conexão – que Agnes, aos poucos, revela sua verdadeira história. Com o passar dos meses e por conta da convivência forçada em uma cabana isolada, minúscula e repleta de privações, a até então assassina se transforma gradativamente em parte da família, que percebe que há mais sobre aquela mulher do que os boatos e seu julgamento jamais imaginariam.
Embora este seja um romance de ficção, é baseado em fatos reais: a autora Hannah Kent se inspirou na história da última mulher executada na Islândia. Nomes, cartas e outros documentos foram pesquisados e traduzidos durante o período em que Kent viveu na região. Por isso, a narrativa ganha contornos absurdamente realistas, mas não menos poéticos.
Hannah Kent oferece um retrato muito menos ambíguo do que tinha a mulher conhecida simplesmente como “bruxa” ou “assassina”. É difícil crer que Agnes realmente cometeu um crime tão cruel. E, no suspense para descobrir sua verdadeira história, nos perdemos pelas fazendas geladas da Islândia. O país, tão distante, torna-se próximo com as descrições minuciosas do cheiro do mar, do toque da chuva, do frio desesperador. E da solidão arraigada profundamente, não somente em Agnes.
A narrativa cativante e a ambientação fazem de Ritos de Adeus um romance difícil de largar. Apesar das barreiras da distância, da cultura e da época, Hannah Kent evoca questões muito íntimas da existência humana, sobre as relações, os limites do amor e a maneira como enfrentamos a morte. E deixa a angústia de pensarmos: e se fôssemos impedidos de contar nossa própria história?
“Deliciosamente envolvente”- The New Yorker
“O que mais impressiona sobre esse livro é a habilidade e o poder com os quais Kent transmite a pobreza, a fome e a solidão”- Daily Mail
“O anúncio de uma escritora a ser observada”- The Guardian
Hannah Kent
320 páginas
Globo Livros
Apesar de ser uma ficção, o diferencial
nesse livro está em ser baseado em fatos reais, de Agnes Magnúsdóttir, a última
mulher condenada a morte na Islândia, no ano de 1828. Houve momentos na
narrativa que me perguntava qual era a ficção contida em tudo, porque tudo
parece muito real, a ambientação, diálogos e os fatos. As descrições são cruas,
pensei muito a respeito de cada passo que ela deu, e não deixei de ter desejado
que existisse uma forma mais humana de ela ter atravessado esse julgamento.
Naquela época não havia um local
apropriado para coloca-la até o dia da sentença, primeiro ela fica jogada para
as moscas de uma forma desumana, depois, uma família de Kornsá tem a
incumbência de recebê-la e mantê-la lá até a sua execução.
As moscas são ruins. Elas rastejam pelo meu rosto e entram em meus olhos, e sinto as cócegas de suas pernas e asas. É o suor que as atrai. Esses ferros são pesados demais para que eu as afaste. Foram feitos para um homem, embora apertem com bastante força a minha pele.
Margrét, e suas filhas Lauga e Steína,
não ficam nada felizes em receber a assassina. Como a abrigariam em sua pequena
casa? Como a manteria presa ali? O marido, Oficial Distrital Jón, nada pode
fazer a não ser aceitar. Iria receber uma boa quantidade de dinheiro que
ajudaria nas despesas para passarem aquele inverno, e a recusa seria impensável
por ele ser o Oficial da região. Esse sentimento de recusa e de ser indesejada
por todos - pela família que a receberá, pela comunidade, pelos reverendos, e
por todos que nunca a viu antes – fica palpável na escrita.
Três foram os condenados, Agnes e Fridrik
– a morte – e Sigga, iriam decidir qual rumo tomaria. Os três foram cúmplices na
morte de Pete e Natan na fazenda Illugastadir.
Só que Agnes pede que o reverendo Tóti
seja aquele que a ajudaria até seu último dia como conselheiro espiritual. Essa
escolha dela causa a maior interrogação em todos: porque um reverendo
substituto? E tão jovem? Qual a ligação entre eles?
Fiquei presa à leitura, porque desde o
início sabemos que Agnes cometeu um crime e sua sentença será a morte. Página a
página ela conta o presente dela – “na prisão” que improvisam para ela – o
passado, até chegar ao último dia. A leitura me conquistou tanto que passei a
desejar junto com Agnes a mudança da sentença, que alguém – o reverendo,
Steína, Margrét e até mesmo o oficial distrital – conseguisse fazer um pedido
de revogação aceitável aos olhos do rei. Ela não era um réu confesso, pelo
contrário, ela se dizia inocente. Fizeram isso por Sigga, porque não pela
Agnes? Até Agnes começa a questionar, e tem esperança que alguém faça isso, e
essa esperança corrói a alma dela dia após dia, e me deixou aflita, desejando
ardentemente essa mudança.
Tudo é mostrado de forma aberta, Agnes
se mostra dia a dia, paulatinamente, primeiro como fria e calculista, logo
começa a mostrar quem ela realmente é, uma mulher com sentimentos incríveis,
que sabe agir no momento certo, inteligente, e o que mais a difere das mulheres
da época, se interessa pela escrita e leitura.
Ele me conhecia como se conhecem as estações, as marés, o cheiro de fumaça; conhecia o que eu era, o que eu queria. ... Mas agora eles me levam para o leste, e, embora esteja amarrada como uma ovelha conduzida ao matadouro, sou grata por retornar aos vales onde pedras dão lugar a grama, mesmo que seja para morrer.
A narrativa leva você a conviver com
sentimentos conflitantes, a reprodução dos sentimentos que Agnes passa durante
todo o percurso dela é descarregado na escrita. Passei a questionar muito,
afinal ela era uma assassina, e mesmo sabendo disso, queria que ela ficasse
livre, passei a duvidar que ela realmente tivesse cometido o crime pelo qual a
acusavam. É tão fácil julgar, condenar e arranjar um bode expiatório nesse
mundo... De repente, acreditava piamente em sua culpa. A pessoa dela e sua
constituição de vida, o que falavam dela, não era as melhores coisas do mundo –
e se realmente tudo que falavam dela fosse verdade? E se... e se... -, e pior,
suas atitudes não convencionais, sua frieza nata - era o que mais me assustava
e me levava a pensar que realmente ela matara-, o fato de ser errante e sem
ninguém, nada ajudava. Condenar alguém por ser diferente é utilizar de um peso
e uma medida completamente diferente e injusto, verdade? Essa contradição de
pensamentos me invadia durante a leitura. O uso da linguagem para traduzir toda
essa carga emocional e psicológica que a personagem sentia se fez excepcional.
O mistério de saber como tudo ocorreu,
se ela era culpada ou não, a descoberta das várias versões dada a uma pessoa
por aqueles que a enxergam com os olhos e não como realmente é, conseguiu me
prender ao livro, a curiosidade passou a ser um roedor inimigo do meu tempo.
Para mim a leitura não foi tão fácil
devido a gama de sentimentos que ele me fez sentir, o li devagar, e fiquei
chocada quando descobri tudo, principalmente a narrativa das páginas finais. É
uma leitura densa, triste, chocante, sombria e lúgubre. Não é um livro para ler
e se sentir feliz após. Narra a vida de uma mulher em que as circunstâncias de
vida a marcara pela busca da sobrevivência, a embruteceu pela exigência social
e política da época, a presenteou com infelicidade, dor e angústia. Mas, é uma
lição de aprendizagem, e por ser um fato real, me deixou pensando muito.
Recomendo esse romance dramático porque
faz qualquer um pensar na vida e suas circunstâncias, e nas atitudes e ações
que muitas vezes podemos tomar apenas por julgar, e nunca por conhecer de verdade.
A sensação de irrealidade é tão frequente que sentir o peso das pedras é um modo de me lembrar da própria existência.
O livro parece trazer lições bem importantes e ter uma história com bastante drama. Fiquei curioso c/ a sua resenha, a capa também me atraiu, assim como a premissa =) Abraços.
ResponderExcluirTraz lições e te faz pensar bastante no que é importante ou não. Abraços.
ExcluirOlá!
ResponderExcluirNossa, senti um peso ao terminar de ler a sua resenha...por senti tão real a leitura...imagino já a leitura do livro!
Julgar é muito fácil né?
O difícil é saber as verdades verdadeiras...
Curiosa para ler...
Um super bjo!
Alê - Bordados e Crochê
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A forma como foi narrado parece que você começa ver o país gelado, a situação toda de Agnes, a luta pela sobrevivência devido o frio intenso daquele local... e os sentimentos dela são quase palpáveis. Espero que leia.
Excluirachei a história incrível, realmente é um show de emoções hein..
ResponderExcluirParabéns pela resenha,
tá muito emocionante *-*
Obrigada Daiani. Muita emoção...
ExcluirAdorei a resenha! A história é parece realmente muito triste e estou mais do que curiosa para ler também. Gosto de livros tristes que nos fazem pensar no final, tipo "O Menino do Pijama Listrado", quando o li a curiosidade me corroía e quando cheguei ao final não fiquei feliz de ter terminado a leitura, mas sim, pensativa e com um sentimento de pena por não poder mudar o final. Acredito que "Ritos de Adeus" me trará o mesmo sentimento quando eu for o ler... Mas mesmo assim é bem legal ler esse tipo de livro.
ResponderExcluirLavinia, se gosta de livros tristes, então corre para ler esse o mais rápido possível. Não li "O Menino do Pijama Listrado" só assisti o filme, e fiquei impressionada, vira e mexe lembro. Aquilo foi uma grande ironia e lição da vida. Nesse livro, você começa a ter emoções fortes do início ao fim, tudo contribui: o país gelado (se a sobrevivência em países frios é difícil, pensa naquela época, é outra realidade), a política e religião, o preconceito... tudo fica bem explícito. Você vai amar! Leia.
ExcluirOlá, Cinthia
ResponderExcluirParticularmente, eu adoro livros de drama, acredito ser o meu gênero preferido dentre outros que leio.
A forma como você resenhou remeteu à forma como o livro foi intenso para se ler, pois conforme estava lendo sua resenha me fez ficar pensativo e aflito, contudo, interessado no livro.
Espero poder ler esta obra literária, valiosa algum dia desses.
Beijos!
Visite-nos: Irmãos Livreiros
Se gosta de drama, vai amar! Espero que leia.
ExcluirBeijos.
Curiosa pra saber o que fez a mulher cometer os assassinatos, mas um pouco com medo da "tristeza" que deve ser esse livro (Sou dessas leitoras que se acaba de chorar). Gostei muito da resenha, Cinthia! Beijos!
ResponderExcluirQuando descobri fiquei bestificada! É triste, mas quando Agnes se abre vai percebendo a disparidade do que ela é para com o que ela deixa mostrar sobre ela. E isso faz com que fique cada vez mais encabulada sobre o motivo de ela ter matado. Quando ela conta a história... é um choque! Pensei tudo, tudo, menos o que ocorreu de verdade. E pensar que ocorreu me deu melancolia. Leia, mas prepare um livro bem alegre depois. Compensa muito ser lido.
ExcluirParece aquele tipo de livro que destrói um coração. O que você falou realmente me tocou, principalmente o final "faz qualquer um pensar na vida e suas circunstâncias, e nas atitudes e ações que muitas vezes podemos tomar apenas por julgar, e nunca por conhecer de verdade". Pensei em mim mesma e quantas vezes sou capaz de julgar sem conhecer, se fosse no passado(e até no presente) até que ponto isso poderia ser letal para alguém. Todos tem sempre seus motivos para tudo, agora quero conhecer os dela.
ResponderExcluirQuando fiquei ciente dos motivos... Jade, se vivesse na época e soubesse, não sei o que faria, creio que enfrentaria a montanha nevada para ajudá-la. O segredo é cabuloso, sinceramente nunca passou pela minha cabeça o que ocorreu para ela fazer o que fez. Nunca, em momento nenhum da narrativa a autora deixa uma pista se quer. Ela me destruiu com a verdade!
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