22 abril, 2017

A Criada






Clarice via tudo como uma fonte de riqueza inesgotável. Poderia ser coisas, pessoas, animais e situações do cotidiano, não importava o objeto de sua observação.

Tudo era olhado de forma cuidadosa, numa tentativa de tirar proveito de algum possível conhecimento , que adivinha desses objetos ou pessoas.



Porque tinha suas ausências. O rosto se perdia numa tristeza impessoal e sem rugas. Uma tristeza mais antiga que o seu espírito. Os olhos paravam vazios; diria mesmo um pouco ásperos. A pessoa que estivesse a seu lado sofria e nada podia fazer. Só esperar.Pois ela estava entregue a alguma coisa, a misteriosa infante


Neste conto temos a empregada -  Eremita. Com seus dezenove anos e sem uma beleza aparente, realizava suas tarefas domésticas de forma remota. Já que seu espírito ou consciência (como queiram chamar), geralmente vagava por lugares desconhecidos. 



Assim, quando emergia, era uma criada. A quem chamavam constantemente da escuridão de seu atalho para funções menores, para lavar roupa, enxugar o chão, servir a uns e outros


Uma espécie de mundo paralelo, onde ela não era a simples criada, mas a sacerdotisa de um mistério bem guardado.

E isso tudo acontecia no exercício de seus deveres diários. Ela vivia entre mundos.


Ela se arranjava para servir muito mais remotamente, e a outros deuses. Sempre com a inteireza de espírito que trouxera da floresta. Sem um pensamento: apenas corpo se movimentando calmo, rosto pleno de uma suave esperança que ninguém dá e ninguém tira

Não existe uma redução da pessoa , segundo a sua função (trabalho), mesmo que neste conto, trata-se de um trabalho considerado por muitos como modesto,  como uma doméstica.

Na minha opinião é um erro nos colocarmos exclusivamente apenas em papéis profissionais, onde se misturam e se confundem, o que você faz e o que você é como pessoa.

Podemos ser e fazer tantas coisas diferentes entre si ou até mesmo paradoxas, que não precisamos trilhar o caminho da exclusão, mas o da adição.
E isso nos enriquecerá como pessoas.



Leia as impressões da Silvia sobre este conto - No Reflexões de Silvia







*Este conto pertence ao livro - Felicidade Clandestina







Clarice Lispector - Todos os Contos
       Editora Rocco - Capa Dura - 656 Pgs
        Organizado por Benjamin Moser

                   
                    Marcia Cogitare






14 comentários:

  1. Olá, o conto reafirma que somos multifacetados e sempre propensos a acrescentar algo mais, pois a mudanças ocorrem todos os dias. Beijos.

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    1. Alison, penso o mesmo, mudamos a cada instante. Nunca somos os mesmos.

      Hug :D

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  2. Marcia, não conhecia esse conto, mas devo confessar que entendo um pouco a Eremita, geralmente quando estou fazendo tarefas que já são comuns para mim, minha consciência fica vagando em um universo paralelo onde as coisas parecem mais interessante. E realmente, somos uma pessoa mas dentro de nós há milhares, realizando várias tarefas ao mesmo momento. Com certeza não devemos nos colocar em papéis formais, como você citou, temos que mostrar todos os papéis que desenvolvemos e que nos transforma em uma pessoa única. :)

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    1. Oi Nicoli, Existe mesmo essa coisa de ligarmos o automático para muitas tarefas.
      Este conto pra mim, fala mais sobre estar e ser muitas coisas ao mesmo tempo e sem exclusões ou juízo de valor.

      Leia o conto e me diga se acha que é assim mesmo.

      Hug :D

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  3. Oi.
    Sim, acredito que o melhor da vida é poder tirar proveito e gosto de tudo que fazemos, conhecemos e vivemos. Assim, temos mais sentido e prazer em nossa vivencia.
    Vou ler o conto.
    Obrigada.
    Beijos.

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    1. Márcia, você sabe viver, e descobriu que não existe divisões na vida, tudo é uma coisa só, sejam boas ou más.
      E temos que abraçar o todo e crescer com ele.

      Hug :D

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  4. Marcia!
    Concordo com você e com Clarice, quando permite que a protagonista viage por outros mundos enquanto trabalha e não é o tipo de trabalho ela que irá defini-la como pessoas e sim, os sonhos que cultiva enquanto exerce sua função.
    Bom domingo e feriado!
    “A sabedoria é a única riqueza que os tiranos não podem expropriar.” (Khalil Gibran)
    cheirinhos
    Rudy

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    1. Rudy, as pessoas tendem a se definirem pelas suas profissões, e isso me parecem tão pouco diante do que é o ser humano e a vida.

      Hug :D

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  5. Oi, Márcia!!
    A Clarice Lispector tem um jeitinho todo especial de colocar as coisas no papel!! Adorei tudo que vi nesse conto!! Como é bom se permiti sonhar e aprender a sonhar e desejar mais!!
    Bjoss

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    1. Marta, cada conto que leio e resenho, cresço como pessoa.
      Clarice faz anos que frequenta minha estante e a cada ano que passa, ela permanece como uma das autoras fundamentais para o leitor que gosta de algo mais intimista e filosófico.

      Hug :D

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  6. Oi!
    Gostei muito desse texto, é algo diferente do que estou acostumada a ler da Clarice, mas igualmente profundo e incrível, um texto que me conquistou e fiquei curiosa para saber mais !!

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    1. Oi Suzana, realmente é um texto bem mais abstrato, como a maioria dos textos da autora.

      Obrigada por nos acompanhar neste projeto

      Hug :D

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  7. Márcia, admito que nessa resenha o que mais gostei não foi nem o conto, foi sua reflexão final sobre o qual múltiplos podemos ser. Sua resenha me passou muito isso, quantas vezes pessoas que exercem funções sem prestígio social são tidas como rasas? A profundidade e complexidade é da alma de cada um e só a própria pessoa tem noção do que carrega dentro de si. Amei muito seu texto, cada dia sua análises de Clarice ficam melhores. Beijinhos

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  8. Jade, fico muito feliz de ouvir que vc curtiu minhas impressões sobre os contos. Tento dar o meu melhor, as vezes não é possível. Afinal somos pessoas limitadas, mas me esforço para tirar o melhor segundo minha visão de cada texto que compartilho com vocês.

    Hug

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:) :( ;) :D :-/ :P :-O X( :7 B-) :-S :(( :)) :| :-B ~X( L-) (:| =D7 @-) :-w 7:P \m/ :-q :-bd

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