Nunca
entendi os bêbados, bem na verdade, eles me irritam. Acho que tive
exemplos demais em minha família com os amantes de copo. Então fica difícil nutrir alguma empatia.
E
mais uma vez, Clarice mergulha no cotidiano e neste 10º conto, que
foge totalmente dos tipos de personagens construídos até o momento,
embora ainda permaneça na temática intimista, que é a marca da
autora. Somos apresentados a mais dois personagens sem nome e sem
muitos detalhes. O importante é acompanhar “os diálogos”(ou
seria um monólogo?).
Pessoalmente,
penso que bêbado só fica interessante na literatura, na vida real é
um transtorno.
Acabo
de me lembrar de dois bêbados interessantes. O primeiro é o bêbado
de Crime e Castigo de Dostoiévski, que tem uma frase excelente, vou
copiar aqui para vocês terem a chance de concordarem de imediato
comigo. E quem sabe fazer uma lista de seus bêbados preferidos da
literatura, rs.
“...E
porque quero sentir, e sofrer mais, é que sou dado à bebida. Bebo
para sofrer melhor, mais profundamente”
O
segundo pé de cana mor, é Edgar Allan Poe, e este é um bêbado
desgraçado que mandava muito bem na escrita e que somente após sua
morte teve seu devido reconhecimento na literatura.
Bem,
citei Edgar Allan Poe, porque Clarice coloca seus dois bêbados numa
espécie de narrativa semelhante ao do velho Poe.
O
bêbado número 1, cheio de si e plenamente consciente (um bêbado
consciente, isso é inédito), segundo ele e que tinha medo da morte
por justamente perder esta consciência.
Ele
resolve sair a noite e escolher um outro bêbado para derramar suas
dores e incômodos.
Encontra
o bêbado número 2, que tem uma mulher que não é dele e com o
filho doente.
O
bêbado número 1, paga umas bebidas para o bêbado número 2 , na
intenção de ter o direito de lhe falar o que bem entender. Mas
parece que o seu amigo recente de boteco, não quer muita conversa,
então o bêbado número 1, parte para uma estratégia chocante. Numa
tentativa de capitar a atenção deste último.
Recusava-me a conceder-lhe o direito de ter uma alma própria, cheia de preconceitos e de amor por si mesmo. Um destroço daqueles, com a inteligência suficiente para saber que era um destroço, não deveria ter claros e escuros, como eu, que podia contar minha vida desde o tempo em que meus avós ainda não se conheciam. Eu possuía o direito de ter pudor e de não me revelar
Ao redor de nós, algumas pessoas jogavam, bebiam, conversavam, em um tom mais forte. O torpor amolecia, sem cintilações. Talvez por isso ele custasse tanto a falar. Mas alguma coisa dizia-me que ele não estava tão embriagado e que silenciava simplesmente por não reconhecer minha superioridade
Mas talvez o senhor não compreenda: somos diferentes. Sofro, em mim os sentimentos estão solidificados, diferenciados, já nascem com rótulo, conscientes de si mesmos
Aqui
a coisa fica de fato interessante, muda o gênero narrativo, Poe
bateria palmas para Clarice, isso sem dúvidas.
E
a forma como termina o conto bruscamente, é genial.
Não
vou entrar em detalhes para não tirar o prazer da experiencia de
quem for ler.
Estou
realmente perplexa com a estrutura deste conto e como ela conseguiu
dar uma virada e mudar a nossa perspectiva da cena…
Não
se esqueçam de ler a resenha deste mesmo conto no Blog Reflexões e
Angústias da minha amiga Silvia.
Para
ler Clique Aqui
Clarice Lispector - Todos os Contos
Editora Rocco - Capa Dura - 656 Pgs
Organizador - Benjamin Moser
É um conto diferente mesmo...
ResponderExcluirDeu um toque divertido no final desta primeira parte...
Beijo!
Gosto de ser surpreendida e este conto me pegou. Achei genial a mudança de Tom e o final sugere que o bêbado número 2 finalmente atendeu os anseios do bêbado número 1 rs.
ExcluirHug
Oi Márcia, admito ter preconceitos com bêbados também, acho que por detestar perder o limite com a maioria das coisas na vida não consigo compreendê-los. Parece um conto interessante, um conflito de personalidades dentro da prática de um vício, mas admito que me causou bastante estranhamento pelos personagens (mas é o bom da literatura, nos fazer pensar fora dos padrões). Beijos
ResponderExcluirJade, este conto saiu bem fora dos padrões rs. Gosto de pensar que Clarice não se levava a sério e fechou as primeiras histórias com este conto diferentão.
ExcluirEu também gosto quando o autor nos desafia a olhar diferente para coisas extremamente comuns e corriqueiras.
Hug :D
Sou igual a você nesse ponto Marcia: também não suporto gente bêbada. Tive experiências com minha mãe muito ruins, para um dia gostar de bebida e aguentar um bêbado loucão do meu lado. Ainda bem que isso já parou. No entanto, não crio preconceito com esse conto, na verdade, essa reviravolta deixa uma vontade de lê-lo :D
ResponderExcluirLavinia, também tive problemas complicados na minha família por causa de bebida e hoje tenho asco de gente bêbada.
ResponderExcluirMas já passou e tá tudo bem agora.
Clarice as vezes judia de seus leitores rs.
Hug
Comigo também está tudo bem agora, mas sabemos que na época era um saco neh.
ExcluirQue bom que pra você isso também já passou :)
Bjs
Lavinia, tive dias e anos miseráveis por conta do alcoolismo de meu padastro e minha mãe na adolescência, foi tenso.
ExcluirO pior que as relações não saíram intactas deste tempo truculento, mas o que se a de fazer né.
Não repetir os mesmo erros, já esta de bom tamanho , imagino eu.
Hug
Exatamente, passei 18 anos morando com a minha mãe, e ela bêbada quase todos os dias.
ResponderExcluirCom isso, aprendi a não repetir os mesmos erros.
Lavinia, no fim das contas, saímos pessoas melhores deste monte de merda mole.
ExcluirHug lindona
Eiiiita gostei desse, apesar de tbm odiar bêbados e qualquer raça que resolva tomar cerveja ou ter velho barreiro em casa, afffff, que desperdício; mas gostei da sua resenha e ri muito quando disse "um bêbado consciente, isso é inédito" ... :*
ResponderExcluirDaiani, bêbados sempre são difíceis e este conto me fez lembrar de coisas que me machucaram muito em minha infância e adolescência.
ExcluirHug lindona