09 novembro, 2016

PJ Clarice Lispector – Conto 09 - Gertrudes pede um conselho



Muitos dos leitores adultos de Clarice foram fisgados durante a  adolescência (leituras de escola). 
Neste período de transição e descobertas, um tempo depressivo para alguns e truculento para outros. 

Quem tinha uma tendência maior para a reflexão e um olhar mais cuidadoso sobre a própria alma, permaneceu com a autora em sua estante após a transição para a vida adulta.


Meu caso foi bem diferente, encontrei Clarice por acaso e na vida adulta(meus exatos 22 anos) Em uma fase extremamente religiosa de minha vida, conheci uma outra moça, ainda mais religiosa (e boboca). Esta falava horrores de Clarice. A acusava de ser uma bruxa, de seus escritos serem uma blasfêmia contra Deus...


Me lembro que depois dessa conversa, fui à um sebo que era na mesma rua onde eu trabalhava e comprei o único livro que tinha -  Água Viva. 
Me apaixonei perdidamente pela autora e cá estou lendo e relendo suas obras e ainda compartilhando com vocês.



Neste nono conto, das primeiras histórias da autora. Ela nos apresenta Tuda (apelido), uma garota de 17 anos que pensa demais,e  isso chega interferir em suas noites de sonho.


Tuda questiona sua existência, a razão dela. Com esta inquietação, ela escreve uma carta para uma doutora que cuida de menores abandonados e que dava conselhos numa revista. Tuda aposta que essa mulher teria as respostas para suas perguntas sufocantes.



Não gosto de nada, sou como os poetas...” Oh, não pensar. Que vergonha!



A tal doutora agenda um dia e horário para conversarem. 
Chega o dia do encontro, Tuda balança em suas convicções em estar ali, mesmo a doutora tentando ajuda-lá e destilando conselhos que acaba por irritá-la em alguns momentos da conversa.



Tuda não se sentia ligada à nada, faltava conexão. Sua família não dava espaço para sua pessoa tão ousada e questionadora.
Ela não tinha registros de pessoas como ela em seu clã familiar. Então teria que destravar este caminho com força e a coragem de uma garota de 17 anos iniciando a vida.




De fato, nos últimos tempos, Tuda não passava nada bem. Ora sentia uma inquietação sem nome, ora uma calma exagerada e repentina. Tinha frequentemente vontade de chorar, e o que em geral se reduzia à vontade apenas, como se a crise se completasse no desejo. Uns dias, cheia de tédio, enervada e triste. Outros, lânguida como uma gata, embriagando-se com os menores acontecimentos. Uma folha caindo, um grito de criança, e pensava: mais um momento e não suportarei tanta felicidade. E realmente não a suportava, embora não soubesse propriamente em que consistia essa felicidade




No fim do conto, ela percebe que ela mesma terá que se valer. Esperar algo das pessoas seria uma atraso em sua aprendizagem com a vida.


Um detalhe que saltou no texto durante minha leitura, é que nessa conversa entre Tuda e a doutora, a médica não entendia o elemento que tirava o sono dessa adolescente. Não se tratava de um problema, segundo sua visão, isso ia passar. 
Ela diz à Tuda: arrume um namorado, se divirta, foi um de seus conselhos áridos.

Mas o imaterial incomoda mais que algo físico. minha senhora. Porque achamos que a dor do outro sempre é menor ou sem importância.


Este conto fala sobre este momento de construção e desconstrução desse individuo como pessoa e o resultado desse  burilamento será carregado por toda a vida. 

Tuda - seu nome era Gertrudes, ela tinha um nome de velha e portanto, e em seu caso,  sua condição interior acompanhava o nome (sorry, Tuda).



Leia a resenha da Silvia sobre este conto - Blog Reflexões e Angústias
Clique Aqui para ler






                                                             Clarice Lispector -  Todos os Contos
                                                             Organizador - Benjamin Moser
                                                             Capa Dura - 656 Pgs

Marcia Cogitare







10 comentários:

  1. Você disse tudo, Márcia:
    "Mas o imaterial incomoda mais que algo físico".
    Este conto é perfeito!
    Beijo!

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  2. Silvia, não me lembrava que Clarice conseguia ter umas tiradas engraçadas. Este conto é tenso mas divertido em alguma medida.

    Hug :D

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  3. Oi Márcia, acho que nem tinha como alguém ajudar ela por ser aquela situação que dizem a frase clichê "a resposta está dentro de você". Apesar de tudo acho que mais difícil que outro nos entender é entendermos a nós mesmos, para mim foi o ponto mais difícil em crescer: ninguém mais tinha as respostas dos meus porquês. Beijos

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    1. Jade, estou amando trocar ideias sobre os contos com você. Sempre é muito bom ter o lado de quem me lê. Escrever é tão solitário né.

      Crescer sempre é algo difícil, seja fisicamente e em todas as outras áreas da nossa vida.

      E acho que não exite respostas padrão, cada pessoa é única, então a resposta para ela também deve ser.

      Hug :D

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  4. Li a última frase e me surpreendi. Poxa, não estava a enxergando como uma velha, mas como uma pessoa que desde cedo reflete sobre a vida, mas no sentido de querer saber seu significado profundo, como um filósofo. Pena que Tuda parece meio triste na história.

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  5. Lavinia, eu quis dizer que mesmo sendo tão jovem, ela tinha o nome de velha rs.

    Tudo está tentando se encontrar e vai.

    Hug

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  6. Aah sim kkkkkkkkk
    Desculpe por entender mal rs Mas tadinha, o nome dela foi a mãe (escritora) que escolheu neh kkk mas verdade, tem gente na vida real que não tem cara do nome que recebeu kkkkkk
    Bjs

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    1. Lavinia, morri de rir quando vc disse que quem escolheu o nome de véinha dela foi a mãe escritora rs.

      E concordo com vc, tem gente que não casa com o nome que tem, um merda quando isso acontece.

      Hug

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  7. Tbm acho que o que tava deixando ela tão perturbada era o nome :/
    Maaaaas, quem nunca teve que crescer e entrou numa paranóia consigo mesma nunca foi criança para depois ser adulta kkkkk

    ;P

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    1. Daiani, tem gente que é mais intimista e acaba por sofrer mais que a cota necessária das fases da vida. Gertrudes era assim.

      Hug

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:) :( ;) :D :-/ :P :-O X( :7 B-) :-S :(( :)) :| :-B ~X( L-) (:| =D7 @-) :-w 7:P \m/ :-q :-bd

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