O que mais me encanta nos
textos desta escritora fabulosa, é a simplicidade e ao mesmo tempo a
construção de camadas e camadas de possíveis interpretações.
O lugar de onde parte sua
escrita, tendo de início o lugar comum e a vida cotidiana.
Todo o “problema” e
toda a inquietação, quando ela vai afunilando seus temas e
perguntas “inofensivas”, até isso tudo virar um turbilhão e
alcançar seus leitores, que naquele instante se encontravam em paz?.
Agora, não mais, eu diria.
Como eu ia lhe dizendo, às vezes tudo fica com um gosto de borracha e nesse momento nem mesmo tomar café na cama me distrai. Tudo fica velho de repente e eu peço a cada instante
Num mundo cheio de câmeras,
por onde quer que andemos, falta olhos, não olhos de verdade, mas um
olhar.
A busca da privacidade é
tanta, que não paramos para ver o outro e a nós mesmos e com isso
não conseguimos estabelecer um diálogo acima da superfície.
Idalina, nossa personagem,
deu seu jeito. Estabeleceu um diálogo “imaginário” (ou seria
solitário) com uma pessoa real (ficou confuso isso rs).
Através de cartas que ela
nunca enviará, vamos entendendo quem é esta personagem.
O seu vizinho de prédio,
que ela via fumando seu cigarro habitualmente e que nem mesmo o
conhecia e nem sequer sabia seu nome. Simplesmente o via da janela de
seu prédio nestas rápidas ocasiões. Este será seu interlocutor.
Estas cartas serão dirigidas à pessoa dele.
Então ela o nomeia.
Hermengardo (outras vezes José) será seu nome de agora em diante.
Hermengardo será seu confidente, saberá de todas as suas
inquietações e insatisfações inconfessáveis aos humanos
medíocres, que vivem como uma massa uniforme e de transbordante
felicidade.
Incapazes de duvidarem da
alegria de Deus, como ela cita neste conto. O que seria uma
blasfêmia, até mesmo admitir a existência de tal incomodo.
Portanto, eu fico com a minha alegria de ter pão e ter saúde e com a minha tristeza de sentir dor de cabeça. O resto, quando vem, eu oro. E Ele, através de teu doce nome, Hermengardo, me salva e me mostra o caminho por onde uma mulher pode andar
Isso me fez lembrar de
quando criança e eu não queria comer determinada coisa ou reclamava
da comida e minha mãe destemidamente evocava a história das
crianças moradoras da Africa, que nada tinham para comer e que no
fim das contas, eu era uma mal agradecida e alienada.
Isso nunca ajudou em nada,
minha insatisfação continuava e pior, agora eu odiava aquelas
crianças africanas.
Mas voltando ao texto.
Me parece que hoje existe
um culto à felicidade. Você não deve ficar triste por mais de 5
segundos. Também não deve ficar triste por mais de uma semana,
quando perde alguém querido. A morte, o luto foram “excluídas”
de nossa vivência.
Antigamente as pessoas
morriam em casa e eram veladas em casa. A morte não era um tabu, mas
fazia parte da vida como qualquer outra coisa.
Minha alma, durante toda a semana encolhida, tem desejos súbitos de se espreguiçar, de se sentir elástica por uns momentos, para tingir-se depois de uma lassidão tão feliz quanto a que hoje amolece a natureza. Preciso pensar uns minutos para depois possuir o doce descanso
Queremos evitar as
tristezas, por isso delegamos a morte aos hospitais e as casas
funerárias , o luto , aos ante depressivos e a qualquer
insatisfaçãozinha, as compras no shopping ou o que você preferir.
Se tu não puderes te libertar de desejar paixões, lê romances e aventuras, que para isso também existem os escritores
Tem muito “profissional”
por aí medicando tristeza e tolhendo o crescimento individual.
As relações humanas vão
se deteriorando a cada dia. Afinal, não temos a coragem de nos
encarar e tocar em nossas misérias guardadas á sete chaves, até de
nós mesmos.
Termino este texto pedindo
(ou seria aconselhando?) três coisas:
1 – Leia este conto (tem
muito mais tópicos a tratar e que aqui seria impossível, ficaria
extenso demais)
2 – Seja uma espécie de
Idalina e bote a cara no sol rs
3 – Não use Deus como
desculpa ou muleta
E não esqueçam de ler a resenha da Silvia em Reflexões e Angústias. Tenho certeza que você irá curtir.
Eu sempre fico ansiosa para saber as impressões sobre os contos deste projeto.
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Clarice Lispector - Todos os Contos
Editora Rocco
Editora Rocco
Capa Dura - Pgs 656
Organizador - Benjamin Moser
Olá, Marcia!
ResponderExcluirSua análise foi bastante profunda... muito além do que fui capaz de ver.
Tenho a sensação de que quando me identifico com algo em um texto (qualquer que seja ele), consigo analisá-lo melhor, mas acho que pelo simples fato de ele ter servido para minhas reflexões pessoais. Faz sentido?
Até por este motivo, penso que muitas coisas que leio hoje não teriam me conquistado da mesma forma se eu tivesse lido quando tinha 20 anos; e o contrário também vale.
Meio maluco isso... mas é assim que sinto.
Beijo grande!
Silvia, entendi perfeitamente o que você quis dizer é sou como você neste aspecto. Se o texto me toca, certamente saberei dialogar melhor com ele.
ExcluirHug :D
Infelizmente muitas pessoas usam Deus como desculpa, A maioria fala que não espera cair nada do ceú, mas esperam sim. Queria saber até onde vão as cartas da personagem. Ela parece ser tão solitária a ponto de escrever para ninguém (afinal, o cara nunca iria ler, certo?).
ResponderExcluirOi Lavinia, são cinco cartas curtinhas.
ExcluirSobre escrever para alguém que não irá ler, neste caso não tem a menor importância. O que a personagem deseja é ter um contato com as verdades interiores dela mesma. Parece maluco, mas não é. O diferente que ela não está conversanado com um amigo, mas um amigo "imaginário que existe", mas que ela não tem nenhuma relação de amizade.
Hug :D
Oi Márcia, sabe eu me propus a ler a maioria dos contos que você já resenhou mas com esse foi diferente, seu texto me tocou e fui ler logo ao invés de deixar para o futuro. Já li uma certa quantidade da obra de Clarice mas nenhum conto até hoje tinha me tocado tanto, talvez até pelo vínculo emocional que criei com a Idalina (eu também gostava de escrever para desconhecidos!), e queria te agradecer por me fazer lê-lo. Aquela frase "porque eu te digo, ainda mais triste que lançar pedras é arrastar cadáveres" ficou martelando na minha cabeça. Beijos
ResponderExcluirJade, eu fico muito feliz por vc ter se proposto a ler os contos deste projeto.
ExcluirClarice sempre me toca em seus textos e compartilhar isso com os leitores do blog é algo emocionante.
Que interessante saber que você , assim como a personagem também escrevia cartas para pessoas desconhecidas, irei tentar para saber qual é a vibe disso rs.
Hug :D
Não pude deixar de ler o comentário da Jade e amei ainda mais esse conto doido kkkkkk acho que vou me obrigar a lê-lo tbm ;)
ResponderExcluir:****