Este conto requer fôlego emocional do leitor, mais que o anterior.
Clarice construí o texto na cadência em que
são efetuadas as lembranças. Mergulhamos num loop de repetições e
desordem conscientes e isso me deixou um tanto tonta durante a
leitura rs.
Sempre que pegamos um texto para degustar,
devemos respeitar seu fundo histórico e entender as limitações das
situações propostas e das possíveis falas “deslocadas” de seus personagens.
Hoje compreendo-o. Tudo lhe perdoo, tudo perdoo aos que não sabem se prender, aos que se fazem perguntas. Aos que procuram motivos para viver, como se a vida por si mesma não se justificasse
Aqui Clarice continua a tecer sua teia no
cotidiano do casamento burguês, o que de fato foi sua vida por muito
tempo.
Espero que esta temática que se repete não incomodem os leitores do blog.
Espero que esta temática que se repete não incomodem os leitores do blog.
Se no conto anterior : O Triunfo, ela é deixada
por seu par romântico, aqui ela se dá ao direito da revanche e tem
a empafía de repetir o ato por duas vezes e com homens diferentes
(me lembrei de uma frase de minha mãezinha – Tome cheroso rs. Eu
sei, penso essas bobagens e ainda tenho a coragem de admiti-las por
aqui rs).
Temos um trio amoroso nesta história (momento
Revista Caras – Clarice viveu uma aventurazinha fora de seu
casamento. Leia a biografia de Clarice por Benjamin Moser).
Nesta narrativa encontramos Cristina, casada com
Jaime. Uma vida morna e sem graça que era perfeitamente aceita por
ela, até que num período de doença, ela viaja outro estado em busca de um clima que
lhe favoreça na melhora de sua enfermidade. Neste local encontra o
esquisitão e minimalista Daniel.
Daniel lhe abre um novo mundo e isso a faz
colocar em check toda a sua vida de casada e sua forma de existir no
mundo.
Vivia facilmente. Nunca dedicava um pensamento mais forte a qualquer assunto. E, como a poupar-me ainda mais, não acreditava inteiramente nos livros que lia. Eram feitos apenas para distrair, pensava eu
Para os leitores de O Lobo da Estepe de Herman
Hesse (livro lido por Clarice e citado em algum texto seu, que não me lembro no momento), a
relação que se estabelece entre Cristina e Daniel de “mentoria”
onde o sofrer faz parte da aprendizagem, me lembrou demais a obra de
Hesse. Que explora muito este mundo abstrato e intimista, onde os
pensamentos acontecem.
Leiam e comparem.
Leiam e comparem.
Ela entende que precisa se libertar, mas do
que?. A narrativa invoca todo o tempo uma insatisfação sem nome,
algo que vai crescendo em Cristina e a envenenando por dentro, a
levando a tomar decisões que afetarão a si mesma e as algumas pessoas de sua
convivência.
Até onde foi o meu sentimento por Daniel (uso este termo geral por não saber exatamente qual era o seu conteúdo) e onde começava o meu despertar para o mundo? Tudo se entrelaçou, confundiu-se dentro de mim e eu não saberia precisar se meu desassossego era o desejo de Daniel ou a ânsia de procurar o novo mundo descoberto. Porque despertei simultaneamente mulher e humana
Por um bom tempo permaneci no microcosmo que a
autora construiu, que era o casamento e as relações familiares, mas
na segunda leitura do texto me deu um estalo.
Seria isto uma metáfora para o papel da mulher naquela sociedade?.
Penso que seja, e se não foi este o intento da autora, não tem nenhuma importância. Cada livro é único, assim como a pessoa que o lê.
Cristina se desnuda de sua formação e dos
modelos e convicções masculinas. Se dá conta de que o mundo são dos homens (do patriarcado como diriam as feministas) e que para ter um
mínimo de espaço nele, terá que desconstruir o que foi feito e
ordenado por milhares de anos e que desembocou na opressão da
mulher.
Isso me fez pensar que ainda hoje, nós mulheres
temos que por muitas vezes tomar nosso espaço à força. Somos ainda
intrusas neste mundo. Somos antinaturais.
Clarice termina seu texto de forma dura e
pessimista.
Quanto a mim, continuo.
Já agora sozinha. Para sempre sozinha.
Quero pensar que em 2016, estamos um pouco menos
sozinhas Clarice. Existem lutas em muitas frentes e as mulheres, as
duras penas, tem se feito ouvir.
Ainda falta muito, é verdade, mas somos
persistentes, e as gerações futuras colherão de forma plena os
louros de nossas vitórias e de nossa lágrimas.
Leia também a resenha da Silvia no Reflexões e Angústias - Clique Aqui
Como sempre, sua análise do texto é incrível! Isso que você me disse que teve mais dificuldade de entrar na história...
ResponderExcluirSó tenho que discordar de você em uma coisa, Márcia:
"Quero pensar que em 2016, estamos um pouco menos sozinhas Clarice"
Infelizmente, eu acho que ainda estamos muito sozinhas... Ainda não sinto um mundo que compreenda a complexidade da mulher, suas muitas angústias e insatisfações.
Um beijo grande!
Silvia, tive mesmo dificuldade com este conto por se longo e repetir se, mas entendo o que a autora quis fazer.
ExcluirEssa questão da mulher é difícil dimensionar, mas entendo que vc fechou com Clarice neste ponto.
Quero me dar uma dose de otimismo nesta questão rs.
Hug e avante
Olha Márcia, não li o conto todo ainda, mas tenho certeza que não pensaria na metade que você pensou.. você está de parabens viu.. está muito bom esses questionamentos, esse enriquecimento do conto, essa descoberta!
ResponderExcluirParabéns :)
Continue assim, aguardo os próximos ansiosa *-*
Oi Daiani, obrigada pelos elogios, assim como toda bobona rs.
ExcluirClarice me faz pensar além do normal e por isso viajo muito em seus textos.
E quarta tem mais :D
Hug
Esse trecho final me deu um nó na garganta. Fiquei com uma dúvida, ela ficou sozinha por desacreditar na companhia ou por que aprendeu a se bastar? Ainda não li o conto, mas quando terminar essa loucura de fim de semestre vou colocar alguns desses contos de Clarice na minha lista de leituras por sua causa Márcia. Beijinhos
ResponderExcluirOi Jade, pense numa pessoa feliz da vida por despertar um leitor para Clarice rs.
ExcluirRespondendo sua pergunta, acredito que esta última frase diz respeito a ser mulher numa sociedade machista. Por isso ela diz que está sozinha.
Hug lindona
amando este projeto e suas analises sempre :)
ResponderExcluirGilberto, e eu amando seus comentários por aqui :D
ExcluirE foca na Clarice :D
Hug
Nossa, esse conto é para se refletir mesmo. Apesar de óbvio, tenho que dizer que é legal saber um pouco da autora pelos seus contos, em que ela de uma forma ou outra, se coloca neles.
ResponderExcluirOi Lavinia, ler os contos de Clarice tem sido uma descoberta interessante. Não me lembrava que ela era uma feminista tão engajada em sua literatura.
ExcluirComo vc mesma disse, é o óbvio, mas é justamente deste óbvio que estamos esquecendo, e ele faz toda a diferença no fim das contas.
:D Hug