29 abril, 2017

Uma história de tanto amor





Ter bichos de estimação durante a infância é algo estimulante e mesmo que você depois de adulto não tenha um, é indiscutível que as lembranças deste tempo de criança serão as mais divertidas e queridas.
Quem me acompanha aqui com o projeto Todos os contos de Clarice, sabe que a autora tem uma inclinação por galináceos. Sobretudo, galinhas de estimação rs.


Nos é contada a história de uma garotinha que morava no interior de Minas Gerais e que com a convivência interiorana entre os animais, ela dispunha de duas galinhas só sua, a Pedrina e a outra Petronilha.


Como uma menininha amorosa que era, vigiava com muito rigor suas galinhas de estimação. E quando com muita atenção e cheirando debaixo das asas delas, desconfiava somente pelo cheiro que as suas galinhas estavam com problemas de fígado. 



Era uma vez uma menina que observava tanto as galinhas que lhes conhecia a alma e os anseios íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o galo tem angústia quase humana: falta-lhe um amor verdadeiro naquele seu harém, e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não perder a primeira das mais longínquas claridades e cantar o mais sonoro possível. É o seu dever e a sua arte. Voltando às galinhas, a menina possuía duas só dela. Uma se chamava Pedrina e a outra Petronilha



Então ela pedia remédio a uma tia muito chegada e relatava seus diagnósticos prematuros. É fato que o remédio de cor escura dado pela tia, levantava suspeitas de ser aguá com gotas de café. Mas o pior de tudo era a luta para abrir o bico das galinhas magrelas e ministrar o líquido escuro.


Numa dessas visitas a parentes distantes, na ausência da menina, a galinha Pedronilha foi parar na panela. Em sua volta pra casa, a tia lhe informou do ocorrido. A menina passou a odiar a todos que comeram Pedronilha, menos a mãe que não gostava de comer galinha.
Sua mãe percebendo a revolta da garota, lhe explicou que todos tinham Pedronilha dentro de si, menos elas duas. E que isso era uma coisa boa.


Pedrina morreu de morte natural, e com todas essas perdas , a menina ia crescendo e se desenvolvendo.
Já entendia sem grandes sustos que destino de galinha é a panela. Mas nem por isso amava menos, apenas deixou de lado aquele amor romântico e irreal.



A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza (a da galinha é a de pôr um ovo branco de forma perfeita) inerentes à própria espécie



Com o passar do tempo, a menina ganhou outra galinha, Eponina era seu nome e claro que nunca se escapa do destino. Mas agora a menina se juntou a família e comeu Eponina como num ritual pagã. Ela queria que Eponina fizesse parte dela.


Ela era uma criatura feita para amar, agora já moça poderia transportar seu amor por galinha aos homens.


Adoro essa delicadeza das cenas deste conto e da transmutação do ato de amar. Como esse amor numa primeira instancia é puro e acreditamos ser ele suficientemente forte para sobreviver a todas as dificuldades. Mas logo aprendemos a amar com reservas, uns mais outros menos. Ainda estamos aprendendo.



Leia as impressões da Silvia sobre este conto - No Reflexões de Silvia




*Este conto pertence ao livro - Felicidade Clandestina




Clarice Lispector - Todos os Contos
       Editora Rocco - Capa Dura - 656 Pgs
        Organizado por Benjamin Moser

                   
                    Marcia Cogitare



12 comentários:

  1. Olá.
    Um poema de reflexão e com um tema tão intenso, o amor! E seja da forma que for e para quem for, sempre é o sentimento mais verdadeiro e puro que nossos corações e almas podem expressar.
    Estou ansiosa para ter esse livro na minha estante.
    Beijos.

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    1. Oi Márcia, Clarice é obrigatório para quem gosta de textos mais intimistas e reflexivos.

      Hug :D

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  2. Olá, a mensagem por meio dessa história é maravilhosa, a amor se divide em fases e consequentemente modifica-se ao longo da vida. Beijos.

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    1. OI Alison, parece piegas falar sobre amor né, mas é extremamente necessário.
      E as pessoas mudam, assim como o amor.

      Hug :D

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  3. Marcia!
    Os contos da Clarice são sempre de grandes ensinamentos, principalmente das coisas naturais da vida e de como aprendemos de forma diversa sobre o que é natural para a existÊncia.
    Bom domingo e feriado!
    “A sabedoria é a única riqueza que os tiranos não podem expropriar.” (Khalil Gibran)
    cheirinhos
    Rudy

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    1. Rudy, Clarice é bem isso mesmo que vc disse, o dia a dia, a vida acontecendo.

      Hug :D

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  4. Oi, Márcia!!
    Que conto mais bacana gostei muito de descobrir um pouco mais sobre os contos da Clarice Lispector!! Não tenho esse livro mas fiquei fascinada por ele!!
    Beijoss

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    1. Oi Marta, Clarice é mesmo fascinante. Leia aos contos e tenho certeza que vc se tornará uma leitora da autora.

      Hug :D

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  5. Oi Márcia, admito que morri de pena da menina ter aprendido a comer a galinha. Sei que é o destino mas se a galinha era de estimação devia escapar do ciclo, é muito triste. Mas como Clarice é a mulher das metáforas não poderia deixar de relacionar tão acontecimento com o amadurecimento, mesmo que precise de tristeza no meio. Beijinhos

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    1. Jade, adoro ler teus comentários, e realmente , este conto fala sobre crescimento.
      Eu também fiquei com o coração despedaçado, vendo as primeiras dores dessa criança.

      Hug :D

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  6. Oi!
    Gostei muito desse conto, adoro essa característica da autora de nos trazer uma situação simples do cotidiano e ir problematizado ela e usado aquilo tudo como uma metáfora, sempre nos fazendo refletir !!

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  7. Suzana, acho demais também essa característica da autora.

    Leia Clarice e surpreenda

    :D Hug

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:) :( ;) :D :-/ :P :-O X( :7 B-) :-S :(( :)) :| :-B ~X( L-) (:| =D7 @-) :-w 7:P \m/ :-q :-bd

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