Nas profundezas da Africa, um explorador de nome Marcel Petre, encontra a menor raça do mundo.
Um serzinho medindo 45 cm que não fala, mas sorri. Uma negra grávida trepada em sua árvore casa. Viva e radiante. Sorrindo por não ter sido devorada pelos inimigos de seu povo quase extinto.
E mais uma vez Clarice vai tecendo a teia até nós, os ditos – pessoas civilizadas.
Como a foto dessa mulher pequeníssima, ganha as revistas. Todos têm um opinião a dar.
O que nos choca em extremo. São opiniões formadas a partir do preconceito com o diferente.
Entre mosquitos e árvores mornas de umidade, entre as folhas ricas do verde mais preguiçoso, Marcel Pretre defrontou-se com uma mulher de quarenta e cinco centímetros, madura, negra, calada. “Escura como um macaco”, informaria ele à imprensa, e que vivia no topo de uma árvore com seu pequeno concubino. Nos tépidos humores silvestres, que arredondam cedo as frutas e lhes dão uma quase intolerável doçura ao paladar, ela estava grávida
Diferente socialmente e de raça distinta. Já vimos este filme antes, e parece que vivemos num loop infinito.
Não conseguimos nos livrar da opressão que nos foi imposta durante a colonização de nosso país e acabamos por perpetuar, as vezes inconscientemente, outras vezes assumimos a postura ingrata e preconceituosa de nos acharmos superiores ao diferente.
Nunca entendi o preconceito racial. Não deveria fazer sentido, sobretudo para nós brasileiros. Um povo de várias caras, e com inúmeras misturas raciais.
Como ainda tem gente que se dá ao desplante de odiar pessoas negras, as comparando com animais.
E então ela estava rindo. Era um riso como somente quem não fala, ri. Esse riso, o explorador constrangido não conseguiu classificar. E ela continuou fruindo o próprio riso macio, ela que não estava sendo devorada. Não ser devorado é o sentimento mais perfeito. Não ser devorado é o objetivo secreto de toda uma vida. Enquanto ela não estava sendo comida, seu riso bestial era tão delicado como é delicada a alegria
E neste conto, Clarice nos mostra toda nossa falsa superioridade e como não estamos prontos para a vida. Como somos pequenos em nossas ambições, mesquinhos e superficiais.
Enquanto Pierre lutava com seu mundo, tomando notas e tendo que rotular o que via, nossa pequena africana se bastava com seus gestos sem linguagem (falada). Fluía com a natureza.
Ali em pé estava, portanto, a menor mulher do mundo. Por um instante, no zumbido do calor, foi como se o francês tivesse inesperadamente chegado à conclusão última. Na certa, apenas por não ser louco, é que sua alma não desvairou nem perdeu os limites. Sentindo necessidade imediata de ordem, e de dar nome ao que existe, apelidou-a de Pequena Flor. E, para conseguir classificá-la entre as realidades reconhecíveis, logo passou a colher dados a seu respeito
Bela Flor em sua Africa escaldante nos sorri e nem por um segundo sua pequenez física a faz menor diante de nossa “civilidade”.
Leiam este conto na visão da Silvia do Blog Reflexões e Angústias
*Este conto faz parte do livro - Laços de Família
Clarice Lispector - Todos os Contos
Editora Rocco - Capa Dura - 656 Pgs
Organizado por Benjamin Moser
Marcia Cogitare
Este conto mexe com a gente lá no âmago...
ResponderExcluirSilvia, este conto é um soco no estômago.
ExcluirHug
Marcinha,
ResponderExcluirAssim como você, nunca entendi o preconceito social ou o racismo... imagino que esse conto faça com que a gente engula em seco, né?
Clarice... ai, Clarice...
Muitos beijos, sua linda.
Telma, este conto é Clarice nos mandando parar com as piadinhas sobre negros que fomos condicionados "à fazer" desde a infância e que não tem a mínima graça.
ExcluirClarice porradeira :D
Hug
Oi Márcia, adorei a resenha! Concordo com você, não dá para entender o preconceito. O conto parece maravilhoso só pelos trechos destacados e infelizmente ainda é um tema atual na nossa sociedade, Clarice como sempre trazendo assuntos relevantes na sua obra. Beijos
ResponderExcluirJade, vc tem toda a razão, Clarice é muito atual, neste caso gostaria que não fosse. O preconceito ainda é forte por aqui. Uma tristeza.
ExcluirHug