30 novembro, 2016

PJ Clarice Lispector - Conto 15 - Feliz Aniversário





Toda família tem lá suas esquisitices e seus desentendimentos passageiros ou mesmo desafetos contínuos e que acabam por transformar-se em eternos ressentimentos.

E uma festa de aniversário da matriarca, é o ambiente ideal para desfiar todas as tretas familiares, segundo Clarice rs



A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados – e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata




Os músculos do rosto da aniversariante não a interpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca



Clarice resolve nos dar a visão de uma festa de aniversário de uma senhora de 89 anos, que mora com sua única filha entre os seus  6 filhos homens.


Interessante como Clarice vai montando seu cenário, a cada movimento, brota sua intenção de nos mostrar a realidade sobre diversos temas.
O mais forte na minha opinião é sobre a velhice e de como você se torna alguém sem poderes e sem vontades. Um ser praticamente inanimado. Um objeto antigo da casa, que não tem utilidade, mas que se proíbe de ser jogado fora, por todos estarem acostumados (sei que eu fui cruel, mas é a vida) .


Como com o passar dos anos, as relações entre pais e filhos vão se enfraquecendo , até chegarem a indiferença e a completa falta de afeto.
Me parece que muitas das relações são sustentadas por um fiapo de obrigação, afinal são meus pais e eu não posso me livrar deles como num dos  episódios da família dinossauro, onde o Dino se livrava da sogra, jogando ela de um desfiladeiro (essa eram as regras por lá, quando se estava muito velho).





Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.– Mamãe! gritou mortificada a dona da casa. Que é isso, mamãe! gritou ela passada de vergonha, e não queria sequer olhar os outros, sabia que os desgraçados se entreolhavam vitoriosos como se coubesse a ela dar educação à velha, e não faltaria muito para dizerem que ela já não dava mais banho na mãe, jamais compreenderiam o sacrifício que ela fazia





Claro que não é fácil envelhecer, não nos preparamos para isso (o que é um erro). Mas também não nos preparamos para lidar com nossos pais e avós nesta fase mais tensa da vida deles.


No final deste conto, fiquei me perguntando, o que fazer para não frequentarmos festas de aniversários, onde na realidade queríamos estar em qualquer outro lugar e com qualquer outra pessoa que não àquelas? . 
E sem pensarmos no episódio da família dinossauro rs.


Fica ai o desafio!!!




Leiam a resenha da Silvia sobre este conto - Blog Reflexões e Angústia 




*Este conto faz parte do livro - Laços de Família







    Clarice Lispector - Todos os Contos
       Editora Rocco - Capa Dura - 656 Pgs
        Organizado por Benjamin Moser




                    Marcia Cogitare






6 comentários:

  1. É engraçado como nossa visão vai mudando...
    Hoje em dia, eu não gosto destas festas, embora não tenha como fugir delas... mas quando era criança, eu gostava bastante.
    Beijo!

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    1. Eu acho qualquer festa um saco, mas tenho me esforçado para ser um mínimo social possível rs.

      Hug

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  2. Marcinha....
    Sabe que não tenho lido nestes últimos dias, né? nem livros e nem o blog... mas aos poucos estou voltando.
    Essa sua coleção de resenha dos contos da DIVA está maravilhosaaaaa!
    Não cheguei a ler todos.. alguns vi e li trechos.
    Esse aqui li todo.
    Resultado? Uma vontade imensa de ler esses contos e dialogar com você! Num futuro, não muito distante isso será possível!
    Ver a realidade sobre diversos pontos de vista é uma das características de Clarice que eu mais adoro. Você conseguiu passar isso na resenha deste conto.
    Clarice tem sorte em contar com você como leitura.
    Amei a resenha.
    Muitas beijocas

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    1. Telma, espero que em breve possamos tomar um café e expor nossa ideias sobre a obra de Clarice. Seria incrível.

      Tenho gostado muito de passar este tempo com os contos, reler uns e ler outros. Clarice sempre ganha na releitura, isso sempre me impressionou.

      Hug lindona

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  3. Nossa Márcia, a Clarice estava muito polêmica nesse conto (como sempre). Talvez seja pela forma como sou ligada aos meus pais, principalmente a minha mãe, não consigo achar que o distanciamento entre pais e filhos é natural mas infelizmente conheço várias famílias assim como a relatada no conto. É uma história que realmente nos leva a pensar. Beijos
    PS: ficou muito fofo o novo layout do blog, parabéns meninas!

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  4. Jade, tenho notado que a maioria das pessoas têm problemas com os pais e que depois de adultos, o distanciamento acontece facilmente.
    Acredito que vc more com os seus, aproveite, cultive esse relacionamento da melhor forma que puder e depois que tiver sua independência, os laços permanecerão fortes e estáveis.

    Sobre o novo layout do nosso blog querido, a responsável foi a Telma. Estava inspirada e toda trabalhada no photoshop e HTML rs

    HUg queridona

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:) :( ;) :D :-/ :P :-O X( :7 B-) :-S :(( :)) :| :-B ~X( L-) (:| =D7 @-) :-w 7:P \m/ :-q :-bd

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