01 abril, 2017

Felicidade Clandestina





Sempre gostei deste conto por me identificar muito com essa menina leitora. E até mesmo ter uma invejinha por ela descobrir o mundo da leitura ainda em sua infância.

Hoje eu tenho uma relação de amor com os livros, mas sinto um pesar quando me lembro que me tornei uma leitora tardia.


Neste continho de 2 páginas, vemos ilustrada a maldade infantil. Uma menina gorda, mesquinha e filha de pai dono de livraria.

Esta garota com um físico que possivelmente a fizesse vítima de bullying no colégio. 
Esta decide viver de forma a aproveitar todas as oportunidades para impingir "dor" as suas rivais.
Desde muito cedo entendemos o conceito de poder, não é mesmo.


No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife



Uma de suas coleguinhas sabendo que ela era a feliz dona do livro Reinações de Narizinho, o pede emprestado. Esta outra diz para que ela passe na casa no dia seguinte para pegar o livro.

E pontualmente no  dia seguinte, a menina bate na porta esperando do lado de fora da casa, a outra emprestar o livro , conforme o combinado.

E se depara com a primeira desculpa de que ela havia empresto o livro a outra menina e que ela voltasse amanhã.

Esta cena se repete infinitas vezes, até a mãe da garota se dar conta do que acontecia ali e de todo o plano diabólico arquitetado por sua filha.


Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa



Com o livro finalmente em mãos, a garota brinca com a ideia daquele pequeno objeto residir sua felicidade. 

Gosto do conceito de felicidade deste conto, como algo imprevisível e frágil. Como algo indomável , como um cavalo selvagem. Que tem sua própria vontade e seu próprio tempo.
A felicidade acontece, não existe uma busca aqui.



Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia



Não se esqueçam de dar uma espiadinha nas impressões da Silvia sobre este conto – Blog Reflexões de Silvia





*Este conto pertence ao livro – Felicidade Clandestina





Clarice Lispector - Todos os Contos
       Editora Rocco - Capa Dura - 656 Pgs
        Organizado por Benjamin Moser

                   
                    Marcia Cogitare


4 comentários:

  1. Este conto é muito gostoso de ler...
    Eu me lembrei muito da minha infância... os livros sempre foram meus maiores companheiros.
    Beijo!

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    1. Não tive livros em minha infância e tenho uma invejinha de quem logo cedo teve esta experiência com o mundo da leitura.

      Hug

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  2. Oi Márcia, lembro desse conto da minha infância! Senti uma onda de nostalgia lendo sua resenha. Me lembrou como eu mesma era indo na biblioteca em busca da histórias que não tinha em casa. Pensando nessa felicidade, as vezes sou inclinada a pensar que Clarice estava realmente certa e nossas maiores felicidades são clandestinas. Beijinhos

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    1. Jade, que gostoso né. Sempre bom rever momentos passados que nos trouxeram felicidade.

      E concordo com Clarice, a felicidade é quase sempre clandestina

      Hug :D

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:) :( ;) :D :-/ :P :-O X( :7 B-) :-S :(( :)) :| :-B ~X( L-) (:| =D7 @-) :-w 7:P \m/ :-q :-bd

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