06 maio, 2015

A Vida em Espiral – Abasse Ndione – Rádio Londres


A vida em espiral é a história de um motorista de táxi e de sua fulgurante carreira como traficante de maconha.Amuyaakar Ndooy e seus quatro amigos são inseparáveis, e passam a maior parte de seu tempo fumando yamba (maconha), bebendo e filosofando sobre a vida. Depois de uma gigantesca operação policial antidroga, a yamba vira produto escasso e Amuyaakar resolve se tornar sipikat (traficante de maconha), uma escolha que o levará para um caminho cheio de perigos e obstáculos de todos os tipos e que acabará mudando para sempre o destino dos cinco amigos





Amuyaakar Ndooy, morador de uma aldeia no Senegal, taxista e fã devoto de uma boa yamba (maconha).



A vida em aspiral nos conta a tragetória deste jovem e de seus 4 amigos inseparáveis.
Sua decisão de se tornar um traficante de maconha em um momento onde as políticas públicas do país realizavam campanhas contra a maconha. Demonizando a planta e seus efeitos, criando assim a escassez da droga e enchendo as prisões com seus traficantes presos durante as batidas da polícia por todo o país.



Como diz o ditado - “Enquanto uns choram, outros vendem lenço” , Neste momento, Amuyaakar acha seu nicho de negócio e a oportunidade de dar uma vida melhor a sua família (já ouvi este discurso em algum lugar, com um tal de Walter White (Breaking Bad) rs).



O livro não fica somente nas transações e contatos entre traficantes e seus usuários e relatos dos riscos provenientes desta atividade, mas na minha humilde opinião, o autor usa muito bem este assunto tabu (drogas), para nos levar além, e discutir ou mesmo levantar uma série de assuntos globais (religião, corrupção das instituições, a pobreza, preconceito, prostituição...) seja você de qualquer país ou nacionalidade, acabará por se identificar em algum ponto da narrativa.



Um dos assuntos que teve um peso maior, e que é tratado muito sarcasticamente em muitas cenas do livro é a religião, neste caso especifíco, o islamismo e sua estrutura patriarcal alienada (não explodam o blog, please, rs), sobretudo quando o assunto são os jovens e a distância entre estes líderes religiosos e seus ensinamentos acefalados.



Figuras importantes da polícia, do Islã e da política senegalesa, são colocados também em xeque, mostrando toda a corrupção e hipocrisia que emanam dessas supostas figuras dotadas de autoridade.



Durante a leitura me lembrei da semelhança com o livro/filme laranja mecânica, onde os personagens tinham uma linguagem própria e andavam em grupo de mesma ideologia, as semelhanças param aqui.



O livro tem tantos estilos literários mesclados, uma hora se assemelha a uma biografia, em outros momentos, se torna uma espécie de on the road, e em suas páginas finais, ganha características noir (um crime acontece e todos os personagens se tornam suspeitos.



Minha única crítica ao autor, é quanto ao ritmo do livro, em suas últimas 50 páginas, o livro fica frenético e de resoluções simplistas e clichezentas, o que me causou um certo desconforto.



Mas porque ler este livro?
Bem,eu pessoalmente desconheço livros que abordem de forma leve e não tendenciosa o tema drogas.



O autor não demoniza a maconha, não toma partidos, mas joga a bola pro leitor, confiando em sua capacidade de interpretação e possível decisão pessoal diante deste tema.



O leitor é sugado pela história, como num bom filme onde se espera ansiosamente o desfecho final.



Este livro descreve muito bem o clima senegalês, como também um pouco da cultura deste povo.



Por muitas vezes pensei que a descrição se tratava não do Senegal, mas do nosso Brasil, tão sofrido em matéria de governo e distribuição de renda e outras várias mazelas sociais.



Em alguns momentos eu me sentia com um calor horrendo, imaginado o sol de mais de 40 graus do enredo (gosto quando a leitura produz sensações reais no leitor).



A diagramação e o projeto gráfico são muito bem-feitas, o livro tem orelhas e o preço é pequeno para um livro de 352 páginas.




Alguns quotes



Badara trouxera de sua inacreditável ida e volta ao reino dos mortos uma enfermidade: ficara gago de dar nos nervos, e era um pouco ruim do ouvido. Bukari afirmava que ele possuía dons de vidente adquiridos no além”



A obsessão de ser preso a qualquer momento me seguia por toda a parte: comendo, dormindo, no banheiro, transando. Por toda a parte. Com o barulho de um veículo passando ou parando, de vozes, de alguém tocando a campainha, eu tremia. Os meus nervos estavam à flor da pele, faltava-me o apetite”



Ninguém sabia de suas atividades paralelas e todo mundo jurava que Jombiku era um excelente cultivador de amendoim, milhete, milho e mandioca. O governador da região em pessoa havia pendurado no peito dele a grã-cruz do mérito agrícola numa cerimônia organizada em sua honra em que foi aclamado Camponês -Modelo”



O hálito dele devia matar uma mosca ou uma barata tão eficazmente quanto um inseticida. Um rato estava em putrefação na boca dele”


“O Éden Club, um clube de férias, construído às margens do lago Retba, acabava de ser inaugurado. A entrada tinha sido proibida aos negros. O escândalo estourara quando dois ministros, apesar de seus veementes protestos e seus “sabe com quem está falando?, tinham sido pura e simplesmente recusados. Ministros ou não, eram pretos; por conseguintes, proibidos de entrar no clube de férias”


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Marcia Cogitare


34 comentários:

  1. Marcinha!
    Brasil e Senegal tem muito em comum e por isso nos confundimos mesmo.
    O livro me parece rico em vários aspectos, abordando temas importantes, questionáveis e que causam reflexão.
    Droga é uma droga, seja ela qual for...e se misturada a outras questões polêmicas, traz uma grande curiosidade.
    Você sempre com bons livros, parabéns!
    Cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

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    1. Rudy

      Fiquei passada com as semelhanças entre os dois países, pena que as semelhanças são na parte negativas em sua maioria.

      O livro realmente é bem rico e traz varias reflexões sociais, mega recomendo.

      Hug queridona :D

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  2. Marcinha,
    Essa sua resenha foi um banho (no melhor dos sentidos) em forma de crítica literária!
    Isso é o que eu chamo de resenha crítica! Fiquei boquiaberta! =D7
    Eu só vi motivos para ler esse livro! mesmo quando você, na sua franqueza costumeira, fala dos clichês das últimas 50 páginas....
    Os quotes foram ótimos e deram água na boca!
    estilos literários mesclados sempre me ganham e, sua capacidade de ver e explicitar isso me encantou também.
    Ah! a lembrança de Breaking Bad... ri, quando li...rs

    Ao ler a resenha, me lembrei imediatamente da música:

    "Mama África (a minha mãe)
    é mãe solteira
    e tem que fazer
    mamadeira todo dia
    além de trabalhar
    como empacotadeira
    nas casas Bahia

    Deve ser legal
    ser negão no Senegal
    deve ser legal
    ser negão no Senegal
    deve ser legal
    ser negão no Senegal"

    Sua resenha, foi uma das melhores que li nos últimos tempos!
    beijoconas



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    1. Telma, que tudo vc lembrar desta musica,rs

      Sabe que não foquei minha resenha diretamente na história, pq qualquer coisa que dissesse estragaria a experiencia do leitor.

      É um livro vida loka, vc fica tenso com o destino do personagem.

      E a Rádio Londres só nos trazendo felicidade.

      Hug :D

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  3. Esqueci de dizer:
    amo quando um livro, mesmo sem pretensão, se torna agente educador:
    dar espaço para formar opiniões e debate é sempre rico, né?
    :)

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    1. Telma vc não fica atrás em suas observações hein =D7

      Também curti a forma narrativa desapegada de moralismos, mas que traz reflexões sóbrias.

      Hug :D

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  4. Não havia lido ainda tema desse tipo. Foi minha primeira vez. E te digo que fiquei um pouco chocada e fascinada pela maneira do autor se expressar em certos momentos. Primeiro,quando o vi na livraria bateu aquela curiosidade pelo assunto. Como disse não li nada sobre este tema antes. Segundo, a capa. Bem original. E acabei levando ele pra casa. Não nego que tem certas semelhanças com o livro que você disse aqui, mas também achei em certos momentos,semelhante a um filme que foi feito aqui, Cidade de Deus. Não sei,mas bateu e achei que algumas coisas batiam com o filme. Não sei como te dizer ao certo o que achei, mas foi chocante, monótono,frenético e algo mais que não dá pra expressar. Nunca pensei que me surpreenderia tanto ao ler. Mais valeu a experiência.
    Beijos.

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    1. Beth, concordo com vc quando diz que não sabe dizer exatamente o que achou, este livro é um mix de vários estilos literários e de ritmo variado, então é fácil não conseguir defino-lo em primeira instancia.

      Sobre semelhança com o filme Cidade de Deus, acho que por ter o mesmo tema, acaba por repetir a " formula" de tratamento - drogas, riscos, usuários, que penso que não mude em nenhum lugar do planeta.

      Vc leu Stoner desta editora?, é um livro interessante também, fiz resenha por aqui dele.

      Hug :D

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    2. Beth, acho que vale a leitura, o livro é bem escrito.

      Hug

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  5. Gente, se tem uma coisa que eu não gosto em livros são esses nomes estranhos que eu não sei pronunciar kkkkkkkkkkkkk quando tô lendo já troco por um "Zé", "João" que fica mais fácil hahaha
    Gostei da abordagem do livro, mas fiquei pensando se por tratar de TANTO assunto, não fica tudo superficial demais!? Como você disse sobre o fim do livro, que é tudo muito corrido e clichê... enfim, esse é um tipo de livro que eu gosto bastante, mas provavelmente não leria atualmente.

    Beijos!

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    1. Kemmy, sabe que eu também tenho a maior dificuldade com estes nomes impronunciáveis,rs - me senti lendo romances russos.

      É excelente técnica essa sua de substituir os nomes, ri demais com sua dica.

      Sobre o autor pincelar vários assuntos, no livro funciona por ser um pano de fundo da história.

      O que me irritou foram as páginas finais, que foi correria pura.

      Talvez vc queira tentar Stoner, livro da mesma editora, fiz resenha dele.

      http://surtosliterarios.blogspot.com.br/2015/03/stoner-john-williams.html

      Hug :D

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  6. Olha, gostei muito dos seus comentários sobre o livro. Aliás, tenho estado muito curiosa acerca dos livros da Rádio Londres - por serem diferenciados e menos conhecidos eles chamam muito minha atenção! Achei bem interessante você ter mencionado Laranja Mecânica, que é um livro (e um filme) de que gosto muito. Fiquei realmente com vontade de ler esse livro, apesar de você ter comentado sobre a presença de clichês no desfecho; gosto de ver temas difíceis tratados com naturalidade e até de forma mais sensata, e que deixem que o leitor use suas próprias reflexões - encorajadas pelo livro - para tomar partido das coisas. Antes de criticar e cair em cima, não importa o assunto, é preciso conhecer e entender minimamente como funciona a coisa toda.

    Beijos, Livro Lab

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    1. Aline, a Rádio Londres tem escolhido muito bem seus títulos para publicação, livros de peso realmente.

      Sobre ter desgostado do ritmo do livro em alguns momentos, sobretudo nas últimas 50 pgs, não terá o mérito da escrita do autor, que é muito fluída e consistente, então vale a pena a leitura sem dúvida.

      Bem, acho que não existe livro perfeito né, mas existe aqueles que te tocaram e tem o mínimo de boa escrita, e este não peca neste aspecto.

      Eu gostei mais de Stoner, resenha aqui
      http://surtosliterarios.blogspot.com.br/2015/03/stoner-john-williams.html


      Experimente e me diga se curtiu

      Hug :D

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  7. Adorei esse ditado : enquanto uns choram outros vendem o lenço rsrsrsrs é bem assim mesmo que funciona.
    Eu só li um livro que se tratava de drogas e apesar de ter gostado, pelo que percebi não é tão evoluído como esse.
    Eu fico pensando o que faz uma pessoa entrar numa vida dessa que so tem duas saídas:
    ou morre ou vai preso
    ⋙ ♥ Blog Livros com café

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    1. Pepi a coisa é séria e complicada, cada pessoa terá suas razões para entrar no mundo das drogas.

      No caso do personagem do livro era pela viagem mesmo, e depois pela grana.

      Hug :D

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  8. apesar de o livro nao ter me chamado atençao, gostei da resenha e o modo como vc expõe seu ponto de vista, talvez eu leia um dia desses.

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    1. Emanoelle, sei que o tema não agradará um leitor ou outro, mas o livro é bem escrito, vale a experiencia.

      Hug :D

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  9. Livro denso, mas que pode virar filme. muito bom

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    1. Sabrina fiquei feliz com sua informação de que o livro pode ganhar uma versão cinematográfica, acho que seria perfeito.

      Hug :D

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  10. Além de amar literatura, sou cinéfila inveterada. Pode ter certeza Márcia que você tem em mãos um belo roteiro para o cinema. Já estou até visualizando as cenas...

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    1. Sabrina, tb amo cinema, até iniciei resenha sobre filmes, no caso o filme Whiplash, vc já viu este?. Recomendo com força.

      Hug :D

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  11. Oi!
    Quando comecei a ler o livro pensei que a historia se passava no Brasil acho que independente da nacionalidade acabamos nos identificando, gostei muito do livro pois ele trata de assuntos polêmicos incorporados em um jovens fazendo uma historia !!!

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    1. Suzana eu pensei exatamente a mesma coisa e que bom que gostou do livro, a Rádio Londres tá arrebentando nas publicações.

      Hug :D

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  12. Não tinha ouvido falar desse livro ainda, depois da sua resenha vou querer ler com toda a certeza, aborda um tema delicado na nossa sociedade atual, como a venda e uso de drogas, o dilema que o personagem passa me lembrou também e muito bem colocado por você na resenha Breaking Bad.
    Deu para perceber que parece mesmo com a realidade do Brasil em termos de corrupção, clima, o autor não teve papas na língua e misturou de tudo um pouco, dando certo no final das contas, daria mesmo um filme incrível, daqueles de tirar o fôlego do telespectador, se investirem fará muito sucesso!

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    1. David o livro é bom e se virar mesmo filme será inda melhor.

      Rádio Londres tem publicado livros incríveis.

      Hug :D

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    2. David o livro é bom e se virar mesmo filme será inda melhor.

      Rádio Londres tem publicado livros incríveis.

      Hug :D

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    3. Confesso que não conhecia o trabalho da Rádio Londres, pesquisando dei uma olhada nas redes sociais e fiquei com vergonha de não ter nenhum livro publicado por ela, Stoner de John Williams e esse estão na minha lista, quero ler o quanto antes!

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  13. Marcia, adorei a sua recomendação de filme e continuo aqui na torcida pra que esse livro maravilhoso caia na mão de algum roteirista inspirado.

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  14. Nunca li num livro com essa temática, parece ser ótimo, como alguns já falaram é um dilema parecido com o abordado em breaking bad.

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    1. Míriam não teve como eu não citar Breaking Bad, já que a temática deste livro é justamente as drogas, tráfico e afins

      Leia e depois me diga o que vc achou.

      Hug :D

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    2. Míriam não teve como eu não citar Breaking Bad, já que a temática deste livro é justamente as drogas, tráfico e afins

      Leia e depois me diga o que vc achou.

      Hug :D

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