Noites de Alface - Vanessa Barbara

“até a inesperada morte de ada, com quem Otto estava casado há mais de 50 anos, os dois compartilhavam cada detalhe de sua rotina banal - a disputa do pingue-pongue, os cuidados com o jardim, o preparo de couve-flor à milanesa, as longas noites de documentários sobre o reino animal. agora, a solidão de Otto ocupava uma 'casa de gavetas vazias'. arrasado, ele se recusa a interagir com os habitantes da minúscula cidade onde mora. refugiado na casa amarela onde haviam morado tanto tempo juntos, Otto tenta ruminar sozinho o passado. mas a cada contato com os conhecidos da vizinhança, parece mais convencido de que, apesar da sutil normalidade, há um mistério no ar, que acaba por preencher sua vida vazia sem Ada”

Vanessa Barbara

Editora Alfaguara

168 pgs

Há duas coisas que ganham meu interesse quando o assunto é literatura, uma é personagens idosos e reflexivos e  a outra, é títulos de livros amalucados. E este tem os dois critérios satisfeitos.

Bem na verdade, noites de alface me foi apresentado por um amigo literário virtual, o gentil Gilberto, em uma de nossas conversas via facebook (ele também tem blog  ler até a exaustão e vale muito a pena a visita por lá, tem livros e textos bem legais).

Este livro é um daqueles livros sobre a vida passando ente seus olhos, nada muito mirabolante (ao estilo Zeca Pagodinho, deixa a vida me levar).

Temos Otto, um viúvo recluso (ele já era recluso antes de sua perda) e insone - que tenta preencher seus dias com canais de tv a cabo com programação sobre a vida animal e leituras de livros policiais , morando numa cidade pequena, onde todos se conhecem e se metem na vida um do outro.

O interessante deste livro, nem é a história em si, mais a construção de cada personagem e das figuras de linguagem que desfiam beleza da simplicidade que é a vida cotidiana.

Cada capítulo do livro traz o nome de uma figuraça, vizinho  da casa amarela de Otto e sua esposa falecida Ada.

Temos Nico o assistente de farmácia, aprendiz de natação e obcecado por bulas de remédios. 
Todas as conversas dele, giram em torno dos conteúdos das descrições das bulas e de seus efeitos colaterais, é muito hilário. 
Acredito que o personagem também acaba por dar uma cutucada de leve na industria farmacêutica.

Não esqueçamos do carteiro, que trabalha a 20 anos nos correios, mas nunca entregou uma única correspondência corretamente.

Este usa a música como modo de terapia, quanto mais alto cantar melhor, segundo ele.

É também dono de um repertório duvidoso.

Mais um personagem risível - Iolanda – uma véia surda , dona de dois cachorros chihuahuas infernais de barulhentos, que vive com o sobrinho e que já passou por todas as religiões conhecidas por nós ocidentais.

Ela é realmente uma metamorfose ambulante quando o assunto é o universo místico e a fé.

Sr. Taniguchi – Um ex combatente japonês da segunda guerra mundial e que sofre de Alzheimer, acho que é um dos personagens mais engraçados e trágicos da história.

Finalmente - Ada, a esposa falecida de Otto, era uma pessoa comunicativa, criativa e que se metia em criar receitas culinárias nada comuns, que muitas vezes era preciso recorrer a alguma forma de segurança ou chamar os bombeiros e a defesa civil,rs (me lembrei de um causo que aconteceu num dos natais em família, onde critiquei a sobremesa de minha mãe, que parecia um vulcão em erupção e de como aquele natal foi um pouco triste e rancoroso por conta de minha boca grande).

Bem, citei os personagens que eu mais curti, mas tem outros bem bacanas também.

Fiquei pensando a razão de eu indicar este livro pra vocês aqui do blog, e a resposta é bem simples e fácil.

Noites de alface, consegue entreter o leitor de forma muito prazerosa, somos jogados no mundo do triste e ranzinza Otto e de seus vizinhos hilários (é praticamente a vila do Chaves, só que sem crianças), com um humor maduro e temas mais profundos da vida e tudo mais.

Tirando o final meio Tarantinesco (o estilo Tarantino, não é um dos meus preferidos), curti demais esta leitura e tá anotadinho o nome da autora em meu caderno de leituras futuras.


Alguns Quotes

“Quando Ada morreu, as roupas ainda não tinham secado. O elástico das calças continuava úmido, as meias grossas, as camisetas e as toalhas de rosto penduradas do avesso, nada estava pronto”

“Otto e Ada tomavam sol todas as tardes, lendo livros de receitas e fazendo palavras cruzadas. Ada vivia procurando a receita definitiva da couve-flor à milanesa,uma que não soltasse a casca ao fritar e que permanecesse crocante e lustrosa. Nunca encontrou”

“ Otto se recusava a comprar Capotei, versão comercial da captoprina, só por causa do nome. Remédio para o coração que chama Capotei não dá, ele dizia, e quem era Ada para contestar”

“...Tipo, ele serve para quem tem mal de Parkinson. Mas às vezes quem toma vê pessoas escondidas no armário. Ele fez uma pausa dramática, porém Otto continuava olhando para o chão. O velho sentou-se na poltrona. Quer dizer, pode dar alucinações. E também pode provocar algum vício, tipo transformar um cara que não bebe em alcoólatra, um sujeito equilibrado em jogador patológico...essas coisas. É tipo aquele remédio contra malária que dá mania de perseguição”

“Com os anos, sua casa acabou virando um templo de esquizofrenia espiritual: cabalas conviviam com pirâmides, cristais, pegadores de sonhos, símbolos astecas, pulseiras de equilíbrio, bonsais da prosperidade e incensos altamente sulfúricos”

Marcia Cogitare