Todos nós Adorávamos Caubóis - Carol Bensimon

Todos Nós Adorávamos Caubóis - Cora e Julia não se falam há alguns anos. A intensa relação do tempo da faculdade acabou de uma maneira estranha, com a partida repentina de Julia para Montreal. Cora, pouco depois, matricula-se em um curso de moda em Paris. Em uma noite de inverno do hemisfério norte, as duas retomam contato e decidem se reencontrar em sua terra natal, o extremo sul do Brasil, para enfim realizarem uma viagem de carro há muito planejada. Nas colônias italianas da serra, na paisagem desolada do pampa, em uma cidade-fantasma no coração do Rio Grande do Sul, o convívio das duas garotas vai se enredando a seu passado em comum e seus conflitos particulares; enquanto Cora precisa lidar com o fato de que seu pai, casado com uma mulher muito mais jovem, vai ter um segundo filho, Julia anda às voltas com um ex-namorado americano e um trauma de infância.

Companhia das Letras

192 Pgs

Sugestão de trilha sonora para leitura desta resenha - The Song Remains the Same - Led Zeppelin

Carol é uma jovem escritora gaúcha, colunista e membro da equipe editorial do Jornal Zero Hora, publicou também na Granta (Revista Inglesa) e possui mais 2 livros publicados pela Cia das Letras - Pó de Parede (2008) e Sinuca embaixo d´gua (2009).

Este livro é relativamente curto, possui 10 capítulos somente.

Como gosto de títulos curiosos (novidade rs), não deixei passar este.

Aqui vemos a história de duas jovens mulheres, Cora e Julia.

A história das duas começa na faculdade onde se conhecem e criam uma amizade colorida, se é que me entendem,rs.

Temos um hiato de 4 anos , onde elas não se encontram, cada um segue sua vida. Cora neste momento estuda moda na França e Julia foi para o Canadá para terminar sua graduação de jornalismo.

Como a tecnologia não reconhece distancias, elas retomam a amizade conversando via skype. Cora vê umas caixas atrás de Julia e conclui que tem algo muito errado, já que Julia mora com o namorado americano.

Enquanto isso Cora recebe um e-mail de seu pai, informando sobre o nascimento de seu meio irmão (os pais de Cora são separados e ele casou-se com uma mulher com metade de sua idade), e que ele pagaria a sua passagem para o Brasil para este evento familiar.

Porém, Cora possui planos bem diferentes de seu pai quanto ao seu retorno ao Brasil. Pensa que juntamente com Julia , podem realizar finalmente aquela viagem sem planejamento (pegar o carro sem destino certo) que desde a faculdade elas pensam em fazer, e é o que acontece.

Então começa a on the road , a moda do filme Thelma e Louise. Como são do Rio Grande do Sul, resolvem visitar o interior do estado e ir descobrindo as cidades a medida que vão passando por estas.

A questão que cerca todo o livro, é que tipo de relação existe entre as duas, será que o sexo em banheiros públicos e motéis nos tempos de faculdade será uma realidade depois de 4 anos sem se verem? ou existe algo mais?.

Julia vem de uma família religiosa (nos tempos de faculdade, morou em um pensionato de freiras), nunca assumiu algo sério com Cora, sempre se escondia dos outros quando o assunto era a relação ou seja lá o que era o que havia entre elas.

O livro nos transforma num 3° integrante desta viagem e não vemos somente a paisagem gaúcha, mas também os dilemas, amores e situações familiares mal resolvidas.

O livro acaba sendo uma metáfora para a viagem interior das duas personagens numa tentativa de acharem a si mesmas.

Me identifiquei com ambas as personagens, acredito que todas as pessoas acabam por passar por isso em algum momento da vida. Amor e desejo frustrados, incertezas de um relacionamento, devo investir ou não?, o que o silêncio do outro significa...(ansiedade, ansiedade e mais ansiedade).

Gosto como a autora escreve, é fluído e com muitas digressões (a história se inicia praticamente com elas na estrada), a autora escolhe construir seus personagens e situações de forma a conta gotas (o que cria a mesma sensação do itinerário desconhecido da viagem, é a vida acontecendo, sem previsões e garantias).

Outra coisa que muito me agradou, mesmo tendo pesado a mão um pouco, foi as imagens que a autora usou para ilustrar o que tinha acabado de ser dito.

Se você deseja ler algo leve e descompromissado, este é o livro certo pra você.

Alguns Quotes

“Um tanto chocada, olhei para meus pés a fim de conferir o que era mesmo que eu usava, e eram meus coturnos Doc Martens, pelos quais eu havia pagado uma pequena fortuna em uma loja da marcas em Paris. Aquele reservado em quase todos os movimentos da contracultura, mas era demais esperar que tal carga simbólica penetrasse na carcaça cansada de quem no máximo tinha visto coturno protegendo os pés dos policiais militares que atiram balas de borracha em tendas do MST.”

“No dia em que ouvimos Houses of the Holy deitadas no chão, nos empolgamos mais uma vez com a Viagem sem Planejamento. Havia uma quantidade infinita de cidades desinteressantes a ser descobertas, e aquele disco parecia um combustível para nossos planos de liberdade”

“Respirei fundo. Era o ar da serra, nós estávamos ali, com cinco ou seis anos de atraso, mas ali, finalmente ali.Tínhamos sobrevivido a uma briga que continuava pairando sobre nós, a Paris, a Montreal, à loucura das nossas famílias. Aquela viagem era mais um fracasso irresistível”

“Durante bastante tempo, fiquei me olhando assim, camisa, calcinha, bracelete. Isso me dava um estranho prazer”

“Assim que meu carro apareceu diante dos prédios meio saqueados, meio empoeirados, meio contando a história dos mortos e das mudanças a contragosto, eu tive a nítida sensação de que ele se integrava perfeitamente ao cenário. Aquilo me deu calafrios, mas não disse nada”

“Ter me explicar o que pra filha, o funcionamento do mundo?. Achei que era isso o que as mães faziam”

Marcia Cogitare